No estudo do Direito existe um conceito bem firmado de que as leis são formuladas conforme os valores de cada sociedade. Assim é com a bigamia, o casamento com mais de uma pessoa, permitida em alguns países e proibida noutros. Como toda sociedade vive em permanente metamorfose, seus valores mudam de acordo com a época, pela influência de grupos sociais diferentes, e até por um processo natural de evolução, sem uma causa lógica ou explícita.
Um exemplo recente foi a ampliação do conceito de estupro, cuja palavrinha é uma das que mais se pronuncia errada neste país. Somente se houvesse relação sexual forçada entre homem e mulher configuraria o crime, desde que preenchidos alguns requisitos específicos. Qualquer violência sexual contra outro homem denominava-se atentado violento ao pudor. As demais formas de relações ou sevícias sexuais eram chamadas de atos libidinosos. Após a entrada em vigor da lei federal 12.015, de 2009, não importa o sexo para caracterizar o estupro.
Na cultura de qualquer sociedade a pessoa com limitações físicas, mentais ou quaisquer outras recebem tratamento diferenciado em razão de suas necessidades. No Brasil, mulheres grávidas, pessoas obesas, crianças em tenra idade e idosos têm alguns direitos preferenciais assegurados por lei. Em razão do hábito permanente da utilização da redundância, para o mesmo assunto são criadas normas protetoras federais, estaduais e municipais. Esse excesso de normas banaliza o desrespeito a elas, outro vício nacional, além de dificultar à fiscalização pelos agentes públicos para assegurarem que esses direitos sejam respeitados por todos.
Parece autoexplicativo a necessidade de se criar uma lei para obrigar as pessoas a respeitarem seus semelhantes que possuem necessidades especiais de qualquer natureza. No Brasil passar o outro para trás tornou-se um hábito diuturno. Inúmeras condutas desonestas são reprovadas por poucos, aprovadas por muitos e praticadas por quase todos. Carros transitam pelos corredores de ônibus em horário proibido, furar fila parece ser a diversão preferida em qualquer lugar e é praticada quase pela unanimidade, independentemente da classe social. Essa maneira de agir também afeta as proteções preferenciais.
Esses exemplos foram mencionados para demonstrar que o desrespeito aos preferenciais não foge à exceção. Não há um propósito contra essas pessoas. Desrespeita-se por ser um modo generalizado de agir. Não se respeita o lugar reservado no metrô, nos ônibus e em qualquer outro espaço. E aí reside a confusão na interpretação da lei. Muita gente entende que a prioridade do lugar fica limitada às cadeiras reservadas aos preferenciais. Se preciso fosse, todos os assentos deveriam ser cedidos a quem precisasse. Não ceder um espaço comum a uma mulher no nono mês de gravidez apenas porque todos os lugares reservados estejam ocupados seria inimaginável para uma pessoa minimamente civilizada. Isso ocorre a todo instante.
Outra face do problema se verifica quando o lugar deve ser cedido a homem, pois a maioria das pessoas tem resistência, devido a uma percepção enviesada de que se trata de um aproveitador, de um esperto. O entendimento errôneo inverso também é verdadeiro. Da mesma forma que os lugares sem demarcação devem ser cedidos sem limitação a quem precise, assim também as pessoas em condições normais podem ocupar os lugares demarcados quando estiverem livres. Muita gente fica de pé por entender que esses espaços nunca poderiam ser ocupados.
Todos deveriam entender que é a condição da pessoa o elemento determinante do direito à preferência, sem importar que isso esteja ou não respaldado em lei. A regra motora deveria ser o bom senso. Devem prevalecer sempre o humanismo e a urbanidade entes de qualquer norma escrita, posição defendida há milhares de anos, quando foi remendado que “respeitai-vos uns aos outros”. Simples assim.
Pedro Cardoso da Costa – Interlagos/SP
Bacharel em direito
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